Introdução: A fé não é anestesia
Nas igrejas evangélicas brasileiras, há uma ideia sutil — mas perigosa — de que a ansiedade é um pecado camuflado de fraqueza. Quando um irmão confessa que está ansioso, a resposta mais comum é uma rajada de versículos fora de contexto: “Não andeis ansiosos por coisa alguma”, “entrega teu caminho ao Senhor”, “falta fé”.
E assim, sem perceber, plantamos no coração do aflito uma teologia da culpa, que transforma sofrimento em desobediência, dor em apostasia e fragilidade em desvio.
Mas e se essa leitura for superficial, injusta e antibíblica?
O Brasil e a epidemia silenciosa
O Brasil é o país mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Estima-se que 9,3% da população sofre com transtornos de ansiedade — o que representa mais de 19 milhões de brasileiros.¹
Esses números não excluem os evangélicos. Pelo contrário: muitos sofrem calados nos bancos das igrejas, com medo de parecerem espiritualmente fracos. Pastores com ataques de pânico. Líderes que dormem à base de remédios. Jovens crentes com o peito apertado, tentando crer, mas sentindo que vão desmoronar.
Por quê?
Porque criamos uma cultura de aparência, de “vitória constante”, onde a fragilidade emocional virou sinal de falta de fé.
Teologia rasa e espiritualidade tóxica
Boa parte da teologia popular nas igrejas evangélicas hoje é um moralismo terapêutico: se você obedecer, tudo vai bem; se algo está mal, é culpa sua. Isso esvazia a cruz de Cristo e coloca sobre os ombros do crente um fardo que nem o próprio Senhor colocou.
“A minha alma está profundamente triste até a morte...”— Jesus, em Mateus 26.38
Se a angústia fosse sinal de falta de fé, Jesus teria pecado.²
A Bíblia não nega a realidade da ansiedade. Pelo contrário, ela reconhece e ensina a enfrentá-la com oração, verdade e comunidade — não com culpa.
Ansiedade não é pecado. É sofrimento.
A ansiedade é, muitas vezes, um sintoma da alma gritando por socorro. Ela pode ser fruto de traumas, de esgotamento, de ritmos insanos, de lutos mal resolvidos — e também, sim, de incredulidade. Mas não sempre.
Generalizar é ignorância teológica e crueldade pastoral.
O apóstolo Paulo não diz que quem está ansioso deve se envergonhar. Ele diz:
“Não andeis ansiosos... antes, em tudo, sejam conhecidas as vossas petições diante de Deus...”— Filipenses 4.6
Esse não é um chamado à repressão do sentimento, mas ao encaminhamento dele para o lugar certo³: a presença de Deus.
A resposta não é censura. É acolhimento.
Infelizmente, ao invés de pastorear os ansiosos, disciplinamos suas dores. E perdemos a chance de mostrar a beleza do evangelho no meio da fragilidade.
Um evangelho que só serve para dias bons não é o evangelho de Cristo.
Jesus não chamou os saudáveis, os fortes ou os inabaláveis. Ele chamou os cansados, os sobrecarregados, os inquietos. E prometeu descanso — não julgamento.
Se há um lugar onde um cristão ansioso deveria se sentir seguro, esse lugar é a igreja. Se ele não encontra acolhimento ali, onde encontrará?
Conclusão: A fé não cancela a dor — ela sustenta
Sim, um cristão pode ter ansiedade.
E isso não o faz menos crente, menos salvo, menos espiritual.
Pelo contrário: admitir a dor é, muitas vezes, o primeiro passo em direção à cura. E o evangelho é, antes de qualquer outra coisa, cura para os quebrados.
Não é a ausência de ansiedade que prova sua fé.
É o que você faz com ela.
Não esconda sua dor com um sorriso evangélico.
Traga sua ansiedade à cruz. E lembre-se: Cristo não te abandona quando você está aflito. Ele se senta ao seu lado.
📚 Notas
¹ ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Brasil é o país com maior prevalência de transtornos de ansiedade no mundo. Genebra: OMS, 2019. Disponível em: https://www.who.int/. Acesso em: 25 jun. 2025.
² STOTT, John. A cruz de Cristo. São Paulo: ABU Editora, 2007.
³ LEME, Cristiano. A teologia da saúde mental. Curitiba: Fonte Editorial, 2021.
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