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O Evangelho e a Ostentação: Um chamado urgente à humildade cristã

Introdução: A fé como vitrine?

Hoje, ostenta-se mais a carteira do que a cruz. Muitas vezes, a fé cristã é apresentada como vitrine — um produto que promete sucesso, conforto e poder de compra. E, em muitos casos, tem sido consumida exatamente assim.

No Brasil, esse culto ao ter não é mera percepção — ele se confirma nos dados. O segmento de luxo no país movimentou impressionantes R$ 74 bilhões em 2022, com projeções de atingir R$ 130 bilhões até 2030¹. Em São Paulo, o consumo de ultraluxo cresce cerca de 18% ao ano², posicionando a cidade como o principal centro de consumo de alto padrão da América Latina. No Rio de Janeiro, o cenário também impressiona: a cidade figura entre as mais caras do mundo para artigos de luxo³ e lidera o turismo de alto padrão⁴.

Em meio a tudo isso, é impossível não perguntar:
Qual é o lugar da cruz nesse novo templo da imagem?
O que o evangelho tem a dizer quando a fé é reduzida à performance e a espiritualidade à estética?

A ostentação embasa o evangelho?

Bíblias de couro e púlpitos dourados. Ministérios com cifras milionárias. Conferências com ingressos VIP. Líderes espirituais tratados como celebridades.

O problema não está no recurso, mas na teologia que o justifica.

A teologia da ostentação — muitas vezes camuflada de "vitória" — ensina que o sucesso material é evidência da bênção de Deus, e que a simplicidade, a crise e a escassez são sinal de falha espiritual. Isso não é evangelho. Isso é gnosticismo disfarçado de fé, e utilitarismo com linguagem bíblica.

É um falso evangelho que seduz, pois fala diretamente ao nosso ego: “Deus te exaltará diante dos homens.”
Mas se esquecem de que Cristo foi exaltado num madeiro ensanguentado.

A inversão bíblica da riqueza

Jesus foi radical:

“É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus.” (Mt 19.24)

Essa não é uma metáfora poética. É um alerta teológico.

O jovem rico que procurou Jesus tinha tudo — menos o essencial. E quando foi confrontado a abrir mão daquilo que o sustentava (sua riqueza), preferiu ir embora triste. A riqueza, para ele, não era um bem. Era um ídolo¹.

A Palavra nunca condena diretamente o possuir — mas condena sem piedade o apego, a confiança e a exibição do ter. Deus não se impressiona com etiquetas, marcas ou patrimônio. Ele vê corações.

E o coração que ama o dinheiro sempre será um coração dividido.

A falsa humildade nas redes sociais

Hoje, a ostentação se veste de naturalidade.
Casais cristãos em viagens nacionais e internacionais postando legendas sobre contentamento. Pastores tirando fotos em carros de luxo com a Bíblia sobre o volante. Influenciadores cristãos promovendo estilo de vida como “testemunho” — quando, na verdade, vendem uma estética de sucesso disfarçada de piedade.

O perigo da ostentação não é só o que ela mostra — é o que ela silencia:

  • O pobre que assiste, e se sente pequeno.

  • O jovem da periferia, que pensa que fé é performance.

  • O membro da igreja que vive frustrado por “não ver a bênção chegar”.

Quando a fé vira palco, os cansados não se sentem convidados. Quando o culto vira vitrine, os quebrantados não encontram espaço. Quando a exibição substitui o serviço, o evangelho é distorcido e o Reino é desonrado.

Humildade que denuncia: o poder do dar

No Brasil, cerca de 3,1 milhões de pessoas recebem mais de R$ 10 mil por mês, e aproximadamente 114 mil pessoas são milionárias⁵. Muitos desses indivíduos são cristãos, líderes, empresários, mantenedores. Isso, por si só, não é problema.

Mas o problema surge quando o que se possui não abençoa, não compartilha, não serve. Riqueza, nas mãos de quem ama a Deus, é instrumento de justiça. Riqueza, nas mãos de quem ama a si mesmo, é escândalo.

Paulo nos lembrou:

“Nada façam por ambição egoísta, mas considerem os outros superiores a si mesmos. Tenham em vocês o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus.” (Fp 2.3–5)

Cristo, sendo rico, se fez pobre.
E a humildade dele não foi teatral — foi sangrenta.

O chamado: humildade como testemunho

A igreja de hoje precisa reaprender a linguagem do Reino: Silêncio, serviço, sacrifício.
Mais do que pregar com poder, é preciso viver com coerência. Mais do que ensinar sobre o céu, é preciso viver com os pés no chão.

Cristãos humildes não são aqueles que “têm pouco”. São os que entenderam que nada têm de si mesmos.

A ostentação se justifica no culto com testemunhos estéticos. A humildade, porém, testemunha no secreto, sustenta no escuro e serve no silêncio.

Conclusão: A cruz como contracultura

O evangelho não se harmoniza com a lógica do mercado. A cruz não é uma escada para o topo, mas um altar de morte. Quem a carrega, precisa morrer — inclusive para o próprio ego.

A ostentação apaga a beleza do evangelho.
A humildade o revela.

E o convite de Jesus segue atual, urgente e necessário:

“Negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me.” (Lc 9.23)

 


📚 Notas

  1. BAIN & COMPANY. Estudo sobre o mercado de luxo brasileiro 2022–2023. São Paulo: Bain, 2024.

  2. Idem.

  3. O GLOBO (05 jan. 2025). São Paulo se consolida como meca do ultraluxo.

  4. BTLA – Brazilian Luxury Travel Association (09 maio 2025).

  5. AMARAL, Fernando. O novo panorama do consumo de alta renda no Brasil. Terra, 29 mai. 2024.


📚 Referências

AMARAL, Fernando. O novo panorama do consumo de alta renda no Brasil. Terra, 29 mai. 2024.
BAIN & COMPANY. Estudo sobre o mercado de luxo brasileiro 2022–2023. São Paulo: Bain, 2024.
BTLA – Brazilian Luxury Travel Association. Rio de Janeiro lidera ranking de destinos de luxo no Brasil. 09 maio 2025.
JORNAL O GLOBO. São Paulo se consolida como meca do consumo de ultraluxo. 05 jan. 2025.
JORNAL O GLOBO. Rio é a 16ª cidade mais cara para artigos de luxo. s/d.



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